1.2.10

quando

Quando chove, o fim da tarde e o início da manhã ficam muito parecidos. Se o ônibus deslizasse agora na pista e batesse de lado contra os carros que vêm de lá, se eu fosse lançada para fora e rolasse pela lama do acostamento, e acordasse um pouco decepcionada e tonta, pensaria: que horas serão? A moça ao lado olha o relógio. Pode ser que eu tenha dito a última frase em voz alta ou pode ser que ela faça isso todo dia o dia todo, como um ato-reflexo, um cauto-reflexo, e então foi só uma coincidência, como quando olhamos o relógio e ele marca 13:13 ou 17:17 (por via das dúvidas, minha avó sempre faz um pedido), mas nesse caso também se trata de olhar o relógio, o que torna a comparação péssima, péssima. Lá está um posto policial com cinco estátuas. Policiais não são homens, são policiais. Isso é mau. Esperamos qualquer comportamento das autoridades, nada surpreenderia; essa deve ser a pior forma de submissão que existe. Esperar. Prefiro os circulares a esses ônibus de linha. Porque aqui não há mistério, não há a dúvida ansiosa: será que é hoje que não vou descer daqui, que vou continuar girando pela cidade até o fim do dia, quando já tiverem me esquecido, quando já tiverem constatado 'está louca, girando pela cidade', quando dividir com o cobrador este terrível segredo de que os outros passageiros em seu vaivém não fazem ideia? Não. Aqui estou indo de um ponto a outro. Na rodoviária, me chutam. Me acordam e chutam. Daquela vez fui parar em uma praça ensolarada na rodoviária errada, para lá do centro. Sentei em um banco de pedra, com os olhos limpos de choro e sono, e pensei que as sacolas e os velhos e o barulho da rua me devolviam as possibilidades do dia (foi como se o tempo se fundisse ao espaço para deixar no meu ponto de partida as angústias da memória). Eram sete e meia da manhã, sem dúvida alguma.