29.1.08

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às vezes eu choro, eu nem sei por que eu choro. é preciso tanto esforço pra achar sentido. tudo quase não tem, e às vezes eu quero desistir. mas é inútil querer também, você entende? eu fico aqui sozinha querendo estar em tantos lugares, em tantos tempos onde não haja tempo. eu quero saber pra onde vai tudo isso, isso que é nada também e que eu não sei dar ordem, eu não sei dar ordem. faz tão pouco sentido. parece que tudo caminha pra um limite, onde tudo deverá implodir, admitir assim a sua falta de razão. finalmente, admitir. e então a gente pode descansar, sem mais fingir nada. mas por enquanto eu choro e continuo aqui sozinha querendo que isso fosse uma carta, mas eu também não teria pra quem enviar, você entende?

28.1.08

Meu pai sou eu - por José Antonio Gonçalves

Quando meu pai morreu
evitei aceitar sua luz extinta
deitei o peso de minha mão em sua testa,
traduzindo mais do que o medo de estar só,
fixei meus olhos em suas mãos com tinta,
e cobri a minha própria fronte com a morte.

Quando meu pai morreu
lembrei da sina do alto do pinheiro,
do vaticínio do fundo do poço,
da saga para manter a chama acesa,
da lida para levar o lume da casa
e da reza surda em mim com sua ausência.

Quando meu pai morreu
passei a ser só eu e as coisas que me dissera,
de como sentiria sua falta,
da razão de suas ordens avessas,
da parte sincera em mim
que só existia na sua presença.

Quando meu pai morreu
percebi que suas mãos não levariam minhas mãos,
os nós dos seus dedos não desatariam meus medos,
seus olhos fechados não revelariam meus sonhos.

Quando meu pai morreu
entendi o que um pai sente quando perde um filho,
como alguém na escuridão e uma escada sem corrimão,
uma luz que se apaga no ermo da estrada,
no momento em que os pés devem sentir o chão.

Quando meu pai morreu
carreguei com a força de um filho seu corpo,
em cada passo senti a dor de sua luta,
empurrei à terra o que sobrou de mim mesmo,
enterrei o que não pude ser para ele
e repassei nossa disputa a Deus.

18.1.08

Isso em mim que não me pertence

um dia me come
um dia me vence

13.1.08

planctons

É madrugada sem horas nem cor. Ela me fita através do escuro. Temos a mesma altura, ajoelhadas. Nossas saias – embebidas em mar e sal e areia – encostam as barras conforme as soerguemos até à beira d’água. Carregamos cada uma, nessa barriga de tecido que se forma, pelo menos uma dezena de pequenos serezinhos brilhantes, que deslizam de um lado para o outro. É como se os embalássemos. Rimos, e levantando a cabeça: nos sorrimos.

Não enxergo seus olhos, mas a boca se revela clara, e eu a sinto salgada. Quando vem uma onda, nos levantamos de súbito sincronizadas, e os corpos se encostam encharcados até os seios. Os abraços são todas as palavras não ditas. Celebramos.

A menina termina meu ano com promessas, com amor verdadeiro. Ela o cose delicada, sem me perguntar quantos meses durou e o quanto custou arrastá-lo até ali. A menina não entende de pesos ou medidas. Mora no mar. Chegou quando a maré baixou, caminhando por aquela passarela enluarada que atravessa o mar inteiro quando a noite vem. Trouxe apenas os cabelos dourados, de cachos desfeitos, escorridos pelas costas – suas pontas lambem a superfície da água e minhas mãos machucadas.

Ela me cura. Me envolve no seu leito de maresia e traz de volta a paz. De todo o antes, não há mais nada. E eu já posso pisar a terra.

8.1.08

do infinitivo amar.

Eu amo
Tu não

7.1.08

74




Eu penso na casa. Penso em vocês.

Arde, arde o peito preso. O ar preso arde. E não há um corpo quando é assim. Não lembro braços colados ao tronco, estúpidos imóveis. Não sei das pernas trançadas nesse chão. O corpo no chão, não sinto. Há somente o peito, um centro de dor. E tudo se concentra. E tudo desconcerta. Fundo. Eu penso em vocês.

Vem vontade de cheiro de mato e me esforço pra lembrar por quê. É a vó, que caminha pelo sítio segurando dentro da sua, a minha mão pequena. Diz pra eu sentir os eucaliptos – aos montes atrás da casa grande. Acompanho-a penosamente, tentando me invadir do cheiro fresco e de um ar que nunca vem.

E é esse tempo seco. Esse chão imundo. O quarto quente e todo o ar que não há. Preciso voltar, mas ainda consciente – penso em vocês. Calma, acalma.

Acalma, filha. É meu pai que fecha os olhos a pedir. Cola o peito contra minhas costas fracas e pede que eu respire junto. Acompanha... Enche os pulmões e os meus, doentes, tentam-tentam. Somos silêncio. Tanto.

Mas de nada adianta o ar que entra. E não sai. O ar apodrece dentro do peito duro, não sai. Eu sopro fu-undo, doído.

Minha mãe aguarda compreensiva à porta da casa grande. Quando volto, senta-me na cadeira e acalma. A mãe é feita de calma fingida e de um amor em tapas ocos pelas costas. Mãe, eu só queria que fosse para sempre. Cobre minha cabeça com a toalha branca-branca e fico eu e o vapor da bacia. A respiração forte, a paz da bacia. Vai sumindo o gatinho de dentro. Ouço a mãe miar: melhor, princesa?

Eu penso na casa, no ar fresco da sala. No cheiro limpo. Na música toda. Eu quis voltar. Quando não quis mais nada, eu quis voltar. E agora esse chão contra o rosto, esses olhos aflitos e o ar que não chega.

O peito inflamado. As costas cansadas. A morte nascente. E eu penso em vocês.