18.12.12

as coisas de amor nunca tiveram forma justa
o que sim se sabe é que são doze
fervem a 36ºC e são solúveis em sangue
algumas nunca deixam a casca
a calcária casca de nácar, que é
o mesmo que medo
o nácar é a saliva ansiosa da ostra
- não, nunca foi confortável
abrigar um corpo estranho

as coisas de amor querem ser
mas você sentiu um instante de vergonha,
como por vezes te causa vergonha
algo que você produz,
você se encerrou
o amor pereceu na língua
você se convenceu
(você foi assustadoramente convincente)
de que se tratava
de outra classe de coisa

14.7.12

2012

lugares tão bonitos quanto este
inundarão rapidamente
e os ventos desviarão outra vez
a foz do rio Cambury
o mar se encherá de rio
as ondas
que chegarem à costa
(lá está você)
serão ouvidas
do quarto onde dorme
você despertará
já imersos os pés da cama
e logo toda a cama
flutuará pela escuridão
trombando criados-mudos
atravessará delicadamente a porta
ganhará a tempestade,
a maré violenta que sossega
pra lá da rebentação
da minha cama eu te verei no alto-mar
uma vez amanhecido o dia
e um grande livro de cabeceira,
remo de capa dura,
me levará até você

(29/11/11)

13.7.12

jabuticaba

subo o pé de jabuticaba
delicada e veemente
como se subisse em silêncio
um instrumento musical
as jabuticabas que caem
então me denunciam
e Dona Gê grita da casinha
ô, menina, vem cá
eu enfio as jabuticabas nos bolsos
e trato de descer
costurando os galhos com os pés
Dona Gê cozinha o almoço
diz que aos nove já trabalhava
que o pai abria a covinha na terra
e ela atirava as sementes
uma atrás da outra
diz também que as jabuticabas
dos galhos de lá
são mais doces
que as dos galhos de cá
espalho minhas jabuticabas na mesa
elas rolam
vou mordendo, chupando,
fazendo outras perguntas
Dona Gê me prepara suco de goiaba
porque meu pai paga um
salário a seu marido
ou não será por isso
torno a meter as jabuticabas no bolso
a modo de bolinhas de gude
uma atrás da outra, elas se agitam
conforme eu corro

é pouco melódico e um tanto adorniano
você é o meu grande amor
mas eu não sou o seu grande amor
logo você não é o meu grande amor

20.6.12

corria
o rio
entre as
margens
da gente
igarapé de
nossos
passos
paralelos
sol
a sol
elos
de água
lânguidos
logo alargaram
ganharam o mar
engoliram sal: soltaram-se

6.6.12

a T.

después de ser amor
que sea silencioso como los contratiempos
como el no-ser de cada movimiento en curso
pero que tu voz irrumpa finalmente
que hables siempre, que nunca dejes de hablar
y todo el tiempo de mi vida
pueda guardar tus cuentos
– tras las piedras, las hojitas,
tu última colección de la niñez,
que, tal como vos,
un día también devolveré al jardín



.............................



depois de ser amor
que se faça o justo silêncio dos contratempos
do não-ser de cada movimento em curso
mas que tua voz irrompa finalmente
que fales sempre, que nunca deixes de falar
e todo o tempo de minha vida
possa guardar teus contos
– depois das pedras, dos gravetos
tua última coleção da infância
que eu também um dia devolverei ao quintal

5.6.12

pequenas mortes

perseguia em sonho minha própria morte
e antes disso era noite em um quarto
que embora não reconheça como meu
me permite estas madrugadas sacras
em que posso cheirar meus pés
ou assistir a uma entrevista de Kamenszain
e me masturbar pensando em
uma ponte, uma velha ponte, um conto oculto,
imagens que se deitam sobre outras imagens,
pensamentos que repetidos se excitam
até transbordarem o possível,
o sensato
encharcarem a cama e serem
recebidos em outros portões, além,
onde me vejo perseguir um animal corpulento
que quer a mim e por isso foge
somente se afasta quando me aproximo
se aproxima quando estou exausta
as patas e as patas contra a terra,
feito coração,
temor suave a que me rendo
sentindo o gosto de meus próprios dedos
pois me fareja e devora
o animal que sou

1.5.12

espera-se
na sacada
café quente
depois morno
à estreita escrivaninha
frente à árvore seca
raiz feita de homens
jaqueta sport e boné,
dia do trabalhador
depois noite qualquer
churrasco queimando
crianças loucas
assobios, vozes
primeiro graves
então embriagadas
e canções que passam
diante da gente
tal como abril

24.1.12

Quando?

Quando Julio deixará
de vez a casa
fechando a porta
atrás de si
tateando seu caminho
até a porta
dando-se conta
de sua cegueira branca
baixando os olhos
do céu de sol e nuvens
que quando se movem
movem também
o prédio ao lado
em direção ao seu quintal?