29.10.08

menor

Tristeza se apega na gente, não diz quando não diz por quê. Nem se desconfia tristeza essa coisa que se nos instala no oco da noite, obra de homens cuidadosos de não querer machucar, caminhando no escuro cobertos de estilhaço de vidro. Também quando vai ninguém sabe. Tristeza não despede. Que quando está, está, e a gente pensa que é só amuo e silêncio dedentro, e a gente dá de escutar pessoas todas com um ouvido só - o outro zumbe no não sei onde, perdido em tristeza. E a boca cala ou responde os conformes... ô viver mais repetido - ela queria nem queria dizer... Quandem quando o coração sapateia o peito, ligeiro, miúdo (assustado bichiínho). Tristeza sede sem cura é um bocejo desistido infinitamente, é um vício, o vício. A gente pensa às vezes que é doença e de pronto toma vermífugo. Mas, meu velho, desengane, é tristeza é sim. Ali, embarcada nos olhos, navegando no tempo, vendo tempo passar.

27.10.08

hoje

yuri, eu queria um jeito correto de dizer que te amo. jeito nobre, de transparecer assim que te sei a todo momento e que me assusto tempotodo também. yuri, mas você nem e-mail tem. vou ter que publicar meu amor? e esse conhaque, essa cerveja, essa gente toda será testemunha.

yuri, é que eu te amo mesmo. queria morar em você.

26.10.08

liberta, que será também

e se
morrem?
meus pais
meus pais morrem
qual?
minha mãe
meu deus
e se morre minha mãe?
meu pai
meu pai
e se morrem os dois?
um acidente
um abismo
um em cada mão
e força só para um
quem eu solto?
tenho
tenho que escolher
meu deus

e se não agora
mais tarde
meu pai doente
minha mãe doente
eu de vida feita
morro junto?
e deixo um
velho
e deixo filhos
novos
e já sou forte
forte
é certo
não morro

12.10.08

somato

Última chamada para o embarque. Você vem? Novamente te preparamos um convite feito de eventos do acaso: a moça deixa de corresponder, o trabalho se equilibra monótono, outras obrigações dão trégua, família e amigos distantes, e a terapeuta, meu amigo, desistiu de você faz é tempo.

Mas, tudo bem, você deixou o consultório devendo mais de cem paus e agora essa oportunidade racha outra vez a avenida e te abre uma enorme (enorme!) saída. Tambores!

Opa, opa, não seja tão apressado. Eu sei, a fumaça, o blues, o cheiro de whisky e cocaína, tudo isso te seduz, mas ainda falta vestir a mochila.

Dentro dela acomodamos cuidadosamente todas as suas lembranças dela. Ah vá, não chore. Resgatamos até as que você pensava ter esquecido. Lembra de como ela disse que achava a neve feia? ...Maricas.

No canto direito estão as canções preferidas dela, misturadas às que você tanto ouviu nos últimos tempos e que, portanto, só te lembram ela. No canto esquerdo, veja: os e-mails que vocês trocaram. Decidimos imprimir em tinta colorida para dar um efeito legal quando as lágrimas espalharem.

Temos também algumas de suas últimas pérolas melodramáticas, como "se você vem, então o amor existe" e "como uma prece, seu nome no escuro". Maravilha. Lembra um pouco aquele hit da Madonna, mas tudo bem. Você mesmo que fez? Ao menos balance a cabeça, rapaz.

Bom, neste bolsinho está a carta dela, recibos de restaurantes e bilhetes de cinema e teatro. Ah, você deve estar se perguntando o que são esses dois tubinhos no porta-canetas. São cápsulas. Uma contém a risada dela e a outra, um trechinho de Tu me Acostumbrastes, que ela cantou acompanhada do violão - capturamos para você, garoto! Só dá pra ouvir uma vez, use com sabedoria.

Acredito que agora você está pronto. Não se esqueça: deus é apenas o amigo imaginário dos adultos e a felicidade é uma imposição cruel do capitalismo. Agora, vá, pule, enlouqueça macio.

8.10.08

the sound of words as they tumble

Como uma prece
seu nome no escuro

a torneira goteja nossas promessas
sofregamente - escorrem

o quarto penumbra
minh'alma penumbra
tudo espera ser

a pele macia ressêca
seios murchos amolecidos
desistidos

e um corpo entregue se dobra - vai o tempo
fetal - vai o tempo
nostalgia o que é

atrás do peso da porta
o barulho de chave alguma
ansiedade infantil amorfa

zombeteia o ponteiro mais velho
não voltanão voltanão volta