Eu já bebia cerveja quando mamãe começou a me ensinar a cozinhar. Ficava sentada à mesa, um pouco mais entretida com minha tulipa dourada do que com suas instruções Aí você pergunta que peixe tá bom pra fazer moqueca. Peixeiro não costuma mentir - dizia de costas para mim, deslizando entre a pia e o fogão.
Se fosse antes, não demoraria até que eu fugisse da cozinha pra convidar Bié pra brincar de lego no quarto. Nas brincadeiras ninguém quase nunca cozinhava. Embora sempre houvesse cozinha, e armário embutido, pra economizar peças de construção.
Mas eu escutava interessada, quase sem pensar no que Bié estaria fazendo de-legal. Vem aqui ver. Eu ia. É só montar. Primeiro a cebola, que faz bastante água. E eu olhava maravilhada a cebola fazer água. Depois tomate, uma camada. Depois pimentão. Verde não, né, mãe? É, verde faz mal, pelo menos pra mim e pro seu pai. Pra mim também, mãe, faz mal. Depois salsa, cebolinha e coentro - e eu sorria para os dedos delicados de minha mãe, vendo um pouco de tudo aquilo salpicar sua pele, a pensar na minha pele, tão exatamente suja algum dia. Quando aprendesse a dançar entre a cerveja, o fogão e um cigarrinho, leve. Quando no supermercado soubesse roubar um punhado de coentro misturado ao ramo da salsinha. Porque nada se deve roubar nessa vida, filha, a não ser coentro.
Se fosse antes, não demoraria até que eu fugisse da cozinha pra convidar Bié pra brincar de lego no quarto. Nas brincadeiras ninguém quase nunca cozinhava. Embora sempre houvesse cozinha, e armário embutido, pra economizar peças de construção.
Mas eu escutava interessada, quase sem pensar no que Bié estaria fazendo de-legal. Vem aqui ver. Eu ia. É só montar. Primeiro a cebola, que faz bastante água. E eu olhava maravilhada a cebola fazer água. Depois tomate, uma camada. Depois pimentão. Verde não, né, mãe? É, verde faz mal, pelo menos pra mim e pro seu pai. Pra mim também, mãe, faz mal. Depois salsa, cebolinha e coentro - e eu sorria para os dedos delicados de minha mãe, vendo um pouco de tudo aquilo salpicar sua pele, a pensar na minha pele, tão exatamente suja algum dia. Quando aprendesse a dançar entre a cerveja, o fogão e um cigarrinho, leve. Quando no supermercado soubesse roubar um punhado de coentro misturado ao ramo da salsinha. Porque nada se deve roubar nessa vida, filha, a não ser coentro.
4 comentários:
nunca roubei coentro.
Eu sempre quis te dizer isso:
Gaia, não se faça de boba. Você não é.
e pro café, não se esqueça, as colheres têm que ser bem cheias.
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deixando a água fazer desenhos bonitos.
Deu saudade da infância, embora eu não tenha aprendido a cozinhar nada além do miojo.
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