25.11.07

domingo

Eu já bebia cerveja quando mamãe começou a me ensinar a cozinhar. Ficava sentada à mesa, um pouco mais entretida com minha tulipa dourada do que com suas instruções Aí você pergunta que peixe tá bom pra fazer moqueca. Peixeiro não costuma mentir - dizia de costas para mim, deslizando entre a pia e o fogão.

Se fosse antes, não demoraria até que eu fugisse da cozinha pra convidar Bié pra brincar de lego no quarto. Nas brincadeiras ninguém quase nunca cozinhava. Embora sempre houvesse cozinha, e armário embutido, pra economizar peças de construção.

Mas eu escutava interessada, quase sem pensar no que Bié estaria fazendo de-legal. Vem aqui ver. Eu ia. É só montar. Primeiro a cebola, que faz bastante água. E eu olhava maravilhada a cebola fazer água. Depois tomate, uma camada. Depois pimentão. Verde não, né, mãe? É, verde faz mal, pelo menos pra mim e pro seu pai. Pra mim também, mãe, faz mal. Depois salsa, cebolinha e coentro - e eu sorria para os dedos delicados de minha mãe, vendo um pouco de tudo aquilo salpicar sua pele, a pensar na minha pele, tão exatamente suja algum dia. Quando aprendesse a dançar entre a cerveja, o fogão e um cigarrinho, leve. Quando no supermercado soubesse roubar um punhado de coentro misturado ao ramo da salsinha. Porque nada se deve roubar nessa vida, filha, a não ser coentro.

4 comentários:

. disse...

nunca roubei coentro.

Yane Santiago disse...

Eu sempre quis te dizer isso:
Gaia, não se faça de boba. Você não é.

Sheyla disse...

e pro café, não se esqueça, as colheres têm que ser bem cheias.
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.
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deixando a água fazer desenhos bonitos.

GeoCêntrico disse...

Deu saudade da infância, embora eu não tenha aprendido a cozinhar nada além do miojo.