É claro que
eu gostava de te ver chegar
com uma
blusa de alças frouxas, uns tamancos inverossímeis
e as mãos
cheias de calos, desatando o seu dia no estúdio
a gravação
do disco com o seu namorado sempre tão exigente
que te faz se
sentir um lixo ali sentada na bateria
ato seguido
se punha a me mostrar músicas próprias
e a sonhar
sobre outra banda, em que você poderia cantar
eu ia
abrindo um sorriso que era também uma espera
aos poucos
seu ritmo diminuía e ainda de pé
eu te
beijava a boca, aquela boca mole se ajustando ao silêncio
não sei
como a gente ia parar na cama e transava quatro ou cinco vezes
você
terminava com as bochechas rosadas, e ria
esperando
que eu soprasse sua nuca e a linha que vai do seio ao clitóris
voltava a
falar de como ele recrimina o seu tesão e que um dia ainda vai se separar
e eu te
escutava desgostosa, impotente, buscando com meu corpo a parede fria
(não
desejava que você largasse ele por mim, só desejava que você largasse ele)
eu gostava
das caminhadas por San Telmo, bairro que você mal conhecia
e se
deslumbrava, como um turista em sua própria casa,
da sua
falta de fome que de uma hora a outra se transformava em muita fome,
como se estar
viva fosse uma novidade sempre
eu comprava
umas cervejas na volta, só pra te ouvir cantar
mas houve
aquele domingo em que você quis ir embora cedo e eu soube
lembro que
caminhar até o elevador me custou cada movimento
abrir o
trinco, penetrar o corredor quente e escuro, apertar o botão
nesse
último gesto meu corpo inteiro se deteve num arrepio –
espero que você
entenda por que deixei de atender suas ligações
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