1.1.09

teste 2

No dia seguinte Cláudio é levado ao Núcleo de Desenvolvimento de Pessoas e sai mastigando tranquilamente uma barrinha de cereais

A príncipio, acharam que se tratava de uma brincadeira. Ele e mais quinze ou vinte pessoas perturbavam as catracas e rumavam para as duas portas giratórias da saída. Quando foi a sua vez de girar, esperou o ponto exato em que não há abertura de ambos os lados da porta e estacou. Um grupo de pessoas se acumulou na fila antes de começar a tomar a via alternativa e o burburinho chamou a atenção de um dos seguranças. A passos cinicamente lentos, ele se aproximou e bateu no vidro com o dorso da mão. Lá dentro o homem não levantou os olhos.

Pensou-se então que ele poderia estar preso e, do lado de fora, um rapaz forçou a porta. E aí tudo aconteceu muito rápido. O homem alargou a distância das pernas até cair sentado no chão, tirou papéis da pasta enquanto as solas dos sapatos se firmavam no vidro e por fim usou a papelada para prender os dois lados da porta. A reação imprevista desarmou os observadores, que esperaram quietos como se respeitassem aquela cena sem contudo compreendê-la.

O garoto que forçou a porta aproximou-se e agachado perguntou se o rapaz estava bem. Tinha trinta anos, no máximo, e abraçava vigorosamente os joelhos. Voltou-se para o garoto, um motoboy, os olhos muito vermelhos, e disse alguma coisa. Do lado de dentro, um senhor perguntou: o que ele disse? Mas o boy não tinha conseguido ouvir.

- O que você disse? Precisa de ajuda? - tentou o senhor.

Na porta, o homem remexeu a pasta e tirou algo com a mão direita num gesto brusco, que fez o senhor se proteger com os braços e logo em seguida se sentir ridículo. Uma caneta piloto de cor azul percorreu então o vidro cuidadosamente, enquanto mais pessoas chegavam ao saguão. Batiam seis e vinte adiantadas no grande relógio da parede.

"O tempo agora parou", informavam as letras tremidas no vidro. O tempo parou, embora a outra porta girasse incansavelmente ternos e taillers à frente do funcionário, novamente desmanchado no chão, profundas olheiras e suor nas têmporas. Entre aqueles que deram atenção ao espetáculo começaram a circular boatos. Um segurança parece tê-lo visto girar quatro vezes na porta antes de entrar naquela manhã. Alguns especulavam que se chamava Fernando e fazia parte da equipe de RH e até então ninguém que passou por ali o conhecia.

A primeira foi dona Cleide, secretária no oitavo andar, que o reconheceu e abaixou-se para tentar conversar. Ela invocava Deus quando o colega Mauro enfim chegou com um sorriso nervoso ou debochado no rosto. Ele pediu desculpas a desconhecidos pela demora, estava preso em uma reunião, bateu no vidro e forçou a porta de dentro para fora. O colega reforçou a trava de papéis, levantou a cabeça em direção a Mauro e gesticulou "nunca mais".

Já havia passado mais de uma hora quando se soube pelo estagiário que o maluco da porta confessara há poucos dias um medo terrível do dia seguinte.

- Bom, ele me disse que tinha medo do dia seguinte... e eu concordei.

A essa altura, dona Cleide já chorava e os seguranças decidiram-se por chamar os bombeiros. Naquela fatia da porta, o homem se despia vagarosamente, até restar completamente nu e afastar com os pés a gravata, as meias finas, as calças. Antes da chegada dos bombeiros, ele já tinha picotado ritualmente todos os papéis e agora empurrava a porta em direção à saída. A noite fria ouriçou-lhe os pêlos e atrás dele a turma das oito já estourava pela porta fazendo varrer em círculos os restos deixados pelo rapaz.

4 comentários:

Anônimo disse...

sensacional.

jUNiOr disse...

passa a esquizofrenia do cara tão bem que pra ser um curta-metragem só precisa fechar os olhos.

Anônimo disse...

esse conto me impressionou. Comecei até a procurar os fernandos do RH aqui da empresa.

Nícolas Brandão Silva disse...

bacana demais. vamos ver de se ver e conversar logo.