28.1.08

Meu pai sou eu - por José Antonio Gonçalves

Quando meu pai morreu
evitei aceitar sua luz extinta
deitei o peso de minha mão em sua testa,
traduzindo mais do que o medo de estar só,
fixei meus olhos em suas mãos com tinta,
e cobri a minha própria fronte com a morte.

Quando meu pai morreu
lembrei da sina do alto do pinheiro,
do vaticínio do fundo do poço,
da saga para manter a chama acesa,
da lida para levar o lume da casa
e da reza surda em mim com sua ausência.

Quando meu pai morreu
passei a ser só eu e as coisas que me dissera,
de como sentiria sua falta,
da razão de suas ordens avessas,
da parte sincera em mim
que só existia na sua presença.

Quando meu pai morreu
percebi que suas mãos não levariam minhas mãos,
os nós dos seus dedos não desatariam meus medos,
seus olhos fechados não revelariam meus sonhos.

Quando meu pai morreu
entendi o que um pai sente quando perde um filho,
como alguém na escuridão e uma escada sem corrimão,
uma luz que se apaga no ermo da estrada,
no momento em que os pés devem sentir o chão.

Quando meu pai morreu
carreguei com a força de um filho seu corpo,
em cada passo senti a dor de sua luta,
empurrei à terra o que sobrou de mim mesmo,
enterrei o que não pude ser para ele
e repassei nossa disputa a Deus.

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